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Entrevista de Chris Martin à VEJA


O DEUS TÍMIDO DO ROCK

Alguns o odeiam. Milhões o amam. O que o cantor
inglês Chris Martin, líder do fenômeno Coldplay, pensa
da crítica, da fama – e até do comércio entre as nações


Sérgio Martins, de San Jose

Chris Pizzello/AP

NOS PASSOS DE WOODY ALLEN?
Martin na turnê Viva la Vida: ele diz que aprendeu a rir de si próprio com o cineasta americano

Na semana passada, o roqueiro inglês Chris Martin cumpriu mais uma etapa da turnê de lançamento do novo álbum de sua banda, o Coldplay. Ao fim da passagem de som para a apresentação no HP Pavillion, na cidade americana de San Jose, na Califórnia, Martin concedeu uma entrevista exclusiva a VEJA. Com o mesmo fardão militar estilizado que enverga nas apresentações, ele se sentou no chão e abraçou as pernas. Uma pose que resume bem o personagem: Martin, de 31 anos, é um tímido que pratica o vegetarianismo e se engaja em causas como a da organização Fairtrade, que defende benefícios aos países pobres no comércio mundial. O mesmo Martin é líder da maior banda de rock da atualidade. Os três primeiros discos do Coldplay venderam mais de 30 milhões de cópias. Viva la Vida or Death and All His Friends amplia esse número já vistoso. Lançado no início do mês, está em primeiro lugar nas paradas de 36 países. Só nos Estados Unidos foram 700 000 cópias comercializadas na semana de lançamento (no Brasil, as vendas de 34 000 unidades já representam um disco de ouro). Na apresentação em San Jose, poucas horas depois da entrevista, o Coldplay mostrou por que galvaniza uma massa de ouvintes que vai dos adolescentes aos quarentões. A banda executou com brilho as canções do novo CD (produzido por Brian Eno, o homem por trás de alguns dos maiores sucessos dos irlandeses do U2, Viva la Vida traz um Coldplay que flerta com ritmos indianos e africanos). E Martin mostrou seu carisma: durante uma hora e meia, hipnotizou 15 000 pessoas com seu gestual desengonçado, suas brincadeiras e seu jeito peculiar de socar as teclas de seus pianos. Ele ironizou ainda a legião de pessoas que odeiam sua banda. "Gostaria que todos os críticos que falam mal de nós estivessem aqui vendo vocês cantarem essa música comigo", discursou antes de interpretar o sucesso Yellow (que, recentemente, virou caso de polícia em Seattle, nos Estados Unidos: farta de ouvir a música, a freqüentadora de um karaokê partiu para cima de um incauto que a interpretava). Martin só perde o jeitão tranqüilo quando tem a intimidade de sua família invadida pelos paparazzi – ele é casado com a atriz americana Gwyneth Paltrow, com quem tem os filhos Apple e Moses, de 4 e 2 anos. O cantor falou sobre o assunto na conversa com VEJA – e anunciou que o Coldplay deverá se apresentar no Brasil em março de 2009.

Viva la Vida estreou em primeiro lugar em 36 países. O Coldplay é a maior banda de rock da atualidade? Sim, somos os maiores do rock atual – mas num sentido bem limitado. Só porque o U2 e o Green Day não lançaram discos neste ano. É como vencer um torneio de golfe de que (o golfista americano) Tiger Woods não participou. Diria que estamos entre as dez melhores bandas. Mas você sabe que não ouço os discos do Coldplay? Eles me fazem ter pesadelos.


Por quê? São discos ruins? Trabalho duro em cada disco que faço. Mas, quando os escuto, sempre penso que poderia ter feito melhor. No fundo, isso não é defeito – é a busca pela perfeição. Um dia prometo que vou escutar os discos do Coldplay. Quando estiver com 90 anos e não tiver nada melhor para fazer, quem sabe.


O Coldplay desperta reações extremas. Muitos os endeusam, outros os odeiam. Como encara isso? Eu me assusto com o ódio. Sempre acreditei que formamos uma banda autêntica, pela química que há entre os integrantes. Somos quatro almas que se completam e temos um trabalho em que botamos fé. Não entendo a causa de tanta animosidade.


As críticas o ferem? Procuro simplesmente não lê-las. Só presto atenção quando alguém me alerta sobre uma observação pertinente. Nas críticas aos shows da nova turnê, jornalistas apontaram alguns exageros no palco, o que nos levou a mudar nossa atuação. Agora, se as pessoas odeiam a banda por nada, paciência. Tem gente que precisa destilar seu ódio. Se me escolhem como saco de pancadas, que assim seja.


Você colabora com a organização Fairtrade, que prega a derrubada das barreiras comerciais entre países ricos e pobres. Como se envolve no projeto? Já tive participação mais ativa. Deixei a Fairtrade de lado para me dedicar ao novo disco do Coldplay. Ou seja, hoje sou só um entusiasta silencioso da organização. Continuo acreditando que esse projeto pode reduzir a miséria em vários países, inclusive no Brasil.


Não é contraditório seu apoio ao democrata Barack Obama para a Presidência dos Estados Unidos? Ele defende políticas protecionistas para certos setores da economia americana, o que vai de encontro às teses da Fairtrade. Apóio Obama porque sou inteligente. Na última frase de sua autobiografia, ele escreve: "Meu coração está cheio de amor pelo meu país". Isso soa nacionalista demais – mas Obama está tentando ser eleito presidente de um país cujo nacionalismo é exacerbado. Ao ler o restante do livro, nota-se que ele tem uma visão de mundo mais aberta que a do republicano John McCain. Por mais que se diga protecionista, vai pensar nos outros países. Podem me acusar de ingenuidade, mas acredito que os políticos de hoje são melhores que os de ontem. E serão cada vez melhores.


Quando você descobriu que queria ser músico? Sou da cidade de Devon, no sul da Inglaterra. Talvez o leite daquela região tenha algo especial, pois produziu outros artistas interessantes, como Joss Stone. Minha descoberta musical se deu na escola. Ela era bem tradicional em relação à música, no máximo abria espaço para corais e pequenas orquestras – que têm seu valor, mas podem ser aborrecidos para um adolescente. Certo dia, um novo professor apareceu com vários teclados. Eles estavam um tanto gastos, mas ainda funcionavam. Foram uma revelação para mim. Comecei a cantar bem mais tarde. Estava na Tunísia com um amigo e havia um bar na cidade que promovia concursos de karaokê. O vencedor ganhava uma garrafa de uísque. Ganhei várias. E nem bebia na época…


Canções como Clocks denotam certa influência da música clássica. Você aprecia o gênero? Como todo pianista, adoro ouvir Chopin. Mas ainda não consegui tocar nada dele, porque é rápido demais. Também gosto de Beethoven. Aliás, li recentemente que Because, dos Beatles, é a sonata Moonlight tocada ao contrário. Estou doido para checar se é verdade.


Val Malone/Wireimage/Getty Images

DUETO Martin com a mulher, a atriz Gwyneth Paltrow: um casal na mira dos paparazzi

O assédio aos popstars pode ser brutal. O que você faz para se livrar dos fãs indesejados? Não faço nada, pois raramente sou reconhecido nas ruas. Muitos que vêm falar comigo acham que sou James Blunt, que fez um sucesso enorme com a canção You’re Beautiful.


Não dá para negar que você é perseguido pelos paparazzi... Acho "perseguido" uma expressão forte demais. O máximo de chateação é não poder fazer compras com minha mulher (a atriz Gwyneth Paltrow), que também é famosa. Nem eu nem ela encorajamos esse tipo de assédio. Mas não é o fim do mundo. Se for o preço a pagar para dar uma vida confortável à minha família, tudo bem. Outras pessoas sofrem mais com isso.


Como suas colegas de profissão Britney Spears e Amy Winehouse? Se existe uma pessoa cuja vida foi arruinada por essa gente é Britney. Eu me considero um sujeito de sorte porque pertenço a uma banda e sou homem (eles costumam perseguir mais as mulheres). Britney tem de lidar com esses pilantras diariamente. O caso de Amy também é triste. Jonny, nosso guitarrista, é vizinho dela e todos os dias depara com um batalhão de paparazzi. Amy é um anjo. Odeio saber que causam mal a ela.

Por que você costuma falar de si próprio com humor depreciativo? Porque sou honesto. E também há um quê de Woody Allen nisso: ele é meu cineasta predileto e está sempre fazendo piadas sobre si mesmo. Muitas letras do Coldplay são inspiradas pelas visões de Woody sobre sexo, vida e amizade. Só uma piada do filme Noivo Neurótico, Noiva Nervosa já renderia um disco inteiro do Coldplay. Duas senhoras estão num restaurante e uma delas diz: "A comida aqui é horrível". A outra responde: "Horrível e vem em pequenas porções". Com isso, Woody quis dizer que a vida é dolorosa – e também que passa rápido demais.


Você é inseguro? Quando estou com a banda, nunca. Quando estou sozinho, eu me questiono continuamente. Para ser sincero, acho que a única pessoa no mundo que não é insegura é (o presidente americano) George W. Bush. Ele é tão maluco que não tem tempo para isso.
 
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